quinta-feira, 27 de novembro de 2014

O CONFLITO ENTRE O INTERESSE PÚBLICO E O PRIVADO.

Um dos temas mais antigos da filosofia política diz respeito a distinção entre o interesse  público e o interesse privado. Muito se falou e muito se escreveu sobre este tema. Que embora seja tão antigo quanto a arte da política, é atual e continua a dar dor de cabeça.


Um exemplo de como isto é atual, esta relacionado ao escândalo que esta envolvendo a maior empresa brasileira, a PETROBRAS. Este caso, onde o interesse privado se sobrepôs ao interesse público. Dando margem à corrupção e ao desvio de bilhões de reais. Serviu para demonstrar o quanto ainda estamos gatinhando em termos de profissionalismo no trato da coisa pública. Não que não haja regras claras sobre como agir e se comportar. Mas o que vemos é o nosso despreparo profissional, emocional e ético na arte da administração dos assuntos de interesse público.

O ruim disso tudo. É que se este caso ocorreu com a maior empresa estatal brasileira. Não há como não ficar em dúvida com o que esta ocorrendo com as demais empresas e setores da administração pública. Este mal, chamado corrupção. Que se procria em ambientes contaminados pela falta de profissionalismo e ética. É extremamente danoso ao país.

Mas o tema que quero tratar aqui, diz respeito a uma manobra realizada no porto organizado de Porto Alegre. Que revestida de aparente legalidade, revela uma lógica perversa. Na qual o conflito de interesse entre o publico e o privado se manifesta. De forma preocupante, pois envolve uma figura já denunciada aos órgãos de fiscalização federal e estadual. Por supostamente receber benefícios de forma irregular de um ente público. Neste caso, a Superintendência de Portos e Hidrovias – SPH.


A CHEGADA DE DOIS NAVIOS

Na quarta-feira (08/OUT) registrou a chegada de dois navios ao porto de Porto Alegre. A parte operativa do porto, que esta coberta pelo sistema de segurança e vigilância internacional chamado de ISPS-Code, se encontrava totalmente liberada. Os dois navios poderiam atracar ao longo de todo o espaço disponível. Para realizar as suas operações de descarga, e ainda sobraria espaço para, no mínimo, mais um navio de grande porte.

O primeiro navio a chegar foi o “Hera”. Carregado 9.759 toneladas de cevada. Ele atracou bem em frente a posição em que se encontravam os guindastes do cais Navegantes. Dos três guindastes, somente um tem condições de operar, pois foi reformado no ano de 2012. Os demais não estão operativos. Sendo um por problema de baixa capacidade de içamento e o outro por falta de manutenção preventiva. Fato que levou o Ministério do Trabalho a interditá-lo. E que mesmo assim, passados vários anos, não foi contemplado com um plano de recuperação e manutenção do mesmo.

O segundo navio que estava chegando, era o brasileiro “São Luiz”. Um navio com sérios problemas de manutenção. E cujos guindastes foram retirados como forma se solucionar um destes problemas nele detectados. Ele vinha do porto de Imbituba, Santa Catarina.  Um porto regido pelas regras do ISPS-Code, e que não opera com navios fora deste sistema de segurança internacional



SURGE UM PROBLEMA

Como este navio não possuía guindastes. Era natural que a posição aonde este equipamento existia deveria ter sido reservada para ele atracar. Esta decisão é tomada pelo Diretoria de Portos, por meio da Divisão do Porto de Porto Alegre – DPPA. Que é braço operativo e que coordena tudo que diz respeito as operações dos navios. Quem esta na chefia desta divisão possui décadas de experiência no porto. E sua decisão criou um problema para a operação de descarga do “São Luiz”. Que sem guindaste de bordo e nem podendo contar com o guindaste de terra não poderia ser descarregado. Então como resolver este problema?


SURGE UMA SOLUÇÃO

A solução encontrada foi a de permitir a atracação do navio “São Luiz”, fora da área controlada pelo sistema de segurança internacional do ISPS-Code. Alegou-se para isto o fato do navio ser brasileiro, trazer uma carga de origem nacional e estar realizando uma viagem de cabotagem. Que é aquela que ocorre entre portos brasileiros.

O local escolhido era o ocupado por um empresário, que não possui contrato formal para ali estar. E que por este motivo não pode submeter o espaço, por ele explorado comercialmente, as normas do ISPS-Code. Já que a sua implantação tem de passar pelo crivo dos órgãos federais (Polícia Federal, Receita Federal, Marinha do Brasil e Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ). E se não há contrato de ocupação do espaço, não existe o pressuposto básico para implantar este sistema naquele espaço.



COMETENDO UMA IRREGULARIDADE

Ao se desviar o navio de uma área segura para uma sem a devida segurança, se cometeu uma irregularidade. Este navio, por ter atracado em um espaço não coberto pelo ISPS-Code terá de cumprir uma quarentena antes de atracar em qualquer porto comercial com o ISPS-Code. E esta situação tem de ser, obrigatoriamente comunicada à Polícia Federal. Que coordena o sistema em território nacional. Para que ela inclua os dados no sistema; e todos os demais portos fiquem sabendo da situação restritiva que envolve este navio. Se isto não for feito, se esta incorrendo em uma segunda irregularidade. Mais grave do que a primeira, pois é uma violação dos pressupostos estabelecidos pelo próprio ISPS-Code.


.UM CASO DO PASSADO.

Em 2011 uma situação semelhante ocorreu. Na época havia o agravante dos guindastes do porto estarem todos interditados. E diante da situação se buscou o auxilio dos órgãos federais para se solucionar o problema. Fez-se todo o esforço para preservar o nível de segurança do navio. E se conseguiu a suspensão temporária da interdição dos guindastes. Viabilizando o descarregamento do navio.


O PREJUÍZO PARA O PORTO

O deslocamento do navio de sua área operativa para um espaço utilizado por uma empresa privada, gerou consequência para o porto organizado de Porto Alegre. Uma delas foi a perda de receita econômica. Já que a carga não foi descarregada com seus guindastes. E isto representa a perda de parte do faturamento. Se o porto perdeu faturamento, e o navio foi descarregado com o auxílio de guindastes externos, alguém ganhou. Pois o navio não foi descarregado de graça.


QUEM GANHOU ?

Quem ganhou com isto foi o empresário que ocupa uma área do porto sem o devido contrato formal para tal. Ao vender o seu serviço ele fez o seu preço. Faturou o que não iria faturar.


CARTAS MARCADAS

Retornando ao passado. É importante que se saiba que no ano de 2011, quando surgiram os problemas de interdição dos guindastes. Ocorreu uma reunião envolvendo todos os operadores portuários de então. Naquela época foi exposto o problema. E se chegou à conclusão que os operadores só trariam para o porto da capital, de nosso estado, navios com a capacidade de descarga própria. Evitando desta forma eventuais problemas deste tipo. Isto não inviabilizaria a utilização dos guindastes do próprio porto, caso eles estivessem disponíveis. Esta foi uma decisão tomada pelos próprios operadores responsáveis pela descarga dos navios.

Baseando-se neste acerto. É de se perguntar o porquê um operador acerta o recebimento de um navio sem condições de ser descarregado em Porto Alegre. Isto indica que há outros interesses em questão. Se este operador portuário é, por coincidência a mesma empresa que ocupa a área sem o devido contrato. Há forte indício de que ele esta tentando direcionar a atracação do navio para o seu espaço.

Outro fato a ser considerado é que o primeiro navio a atracar, o “Hera” estava sob responsabilidade de uma empresa que é tida como laranja a outra empresa envolvida na operação. Ou seja, ambos os navios estavam sendo descarregados pela mesma empresa. Mas com base em que isto pode ser afirmado? O fato que baseia esta afirmação é o consenso geral. Surgido já em 2011 em Rio Grande. De onde a empresa possui sua matriz. Mas também pelo fato do seu sócio majoritário não saber explicar o porquê do nome de sua empresa. Que coincidentemente é formado pela letra iniciai do seu primeiro nome. Pela letra inicial do nome do sócio proprietário da outra empresa e de sua esposa.

Não bastasse isto, o e-mail do sócio proprietário da empresa que operou com o navio “Hera”. Tinha na extensão pós o “@” o nome da outra empresa. Da qual ele foi funcionário por anos. E isto esta documentado em folha de assinatura colhida durante a reunião que ocorreu entre todos os operadores portuários na sede da SPH no ano de 2011.


O CONFLITO ENTRE  O INTERESSE PÚBLICO E O PRIVADO

Como podemos concluir, este é mais um caso que envolve nitidamente o conflito de interesses entre o setor público e o privado. O fato de existir conflito não é problema. Isto é normal. O problema esta na forma como um funcionário público administra este conflito. E mesmo tendo décadas de experiência no trato da coisa pública, e estar ambientado na atividade portuária, dá este tipo de desfecho para o caso.

A aparente legalidade do caso, não se sustenta diante de um olhar crítico e apurado de quem conhece e domina o assunto. E nisto temos de levar em conta que tanto a empresa que se saiu beneficiada, quanto a SPH já foram arroladas em um processo que esta sendo movido pelo Ministério Público Estadual – MPE, como rés por fraude em processo de licitação.

CONCLUSÃO

É esta a história que eu queria contar. Espero que ela sirva para a nossa reflexão. Pois se queremos ter um Brasil melhor, temos de saber distinguir o que move os interesses da administração pública e a iniciativa privada. Não podemos confundi-los nem aceitá-los quando isto ocorre. E sempre que for possível, devemos denunciá-los. Pois somente assim o Ministério Público poderá agir. Punindo a quem de direito, e resguardando os nossos interesses como cidadão.


Muito Obrigado!

Vanderlan Vasconselos

Fotos: Carlos Oliveira

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